terça-feira, 20 de março de 2018

A FOGUEIRA




Quando caía a noite, nós nos reunimos a sua volta em torno da fogueira. Era um dos melhores momentos do dia. Não precisava de sinal ou algum toque para nos atraí, simplesmente entendíamos o convite que a sua presença nos fazia. E quando nós nos dirigíamos para a mesma direção, aquela euforia nascia contagiando a todos, cada um de nós sentia aquela chama crescer dentro de si. Uns mais eufórico gritavam provocando uns aos outros, naquela típica relação entre irmãos ou primos. E depois de nos acomodar em nossos lugares ele tomava a palavra. O silencio nascia. A atenção crescia.

As suas palavras? Bem, ele começava com o passado, passeava pelo presente, mas o momento mais apreensivo era quando a aventura estava no futuro. E neste momento as palavras que saíam de sua boca ganhava uma serenidade maior, parecendo mais como recomendações daquilo que deveríamos evitar. E até o final daquela reunião, alguns de nós já tinham chorado, se indignados, se sentindo impotentes, fracos e desesperançados diante daquelas palavras. Alguns momentos era sufocante ouvir aquilo, queria poder correr dali. Mas logo ele cuidava para nos acalmar, como se soubesse o que sentíamos ou estávamos passando naquele momento.

A sua relação com cada um de nós era muito respeitoso, como um pai para todos, sempre nos encorajava, ensinava sabedoria que até o mais conhecedor entre nós ficava desarmado, perdido sem saber como reagir. Nunca vi alguém parecido como ele. E assim ganhou a todos. Por muito tempo ficou entre nós. E quando teve que parti, nos deixar de vez, foi um dia onde todos não ousaram dizer uma só palavra a respeito, pois já tínhamos sido alertados que esse dia chegaria. Jamais me esqueci dele, e de todas as palavras que ele dissera, guardei no coração. Mas sempre me incomodou o fato dele sendo um grande homem, possuir um nome tão simples, bastante comum entre nós. A sua aparência física era de um homem experimentado na vida, de que não poupava esforços e não tinha problema com o trabalho duro. Estava sempre disposto a nos dizer com atitudes, que por mais cansado que esteja, há sempre uma força a mais dentro você, e que com a motivação certa, sempre terá aquela paciência, animo e saberá se sair bem em todas as situações adversas que a vida lhe apresentar.

Bom, sei que nunca serei como ele ou pelo menos a metade do que conheci. Mas fui marcado. E hoje, enquanto a minha tropa se prepara para partir, para mais uma noite de fogo cruzado na linha de frente, dessa maldita guerra, onde me pus a lutar, convencido de que a honra do meu País foi atacada, ao olhar esta fogueira, me lembrei de todas as palavras e orientações que não consegui seguir. Já não consigo mais lembrar de quantas vidas derrubei. Sou admirado pelo o quê eles chamam de dom no campo de batalha. Mas agora uma confusão se passa na minha mente ao recordar disso tudo. E o medo toma conta de mim, apenas a alguns minutos de sairmos. Não sinto mais bravura. E este fuzil parece está mais pesado do que o normal. Sinto um enjoo, e acho que a minha pressão está caindo. Ouço um comando, meu pelotão já vai partindo, sinto um mal pressentimento, se eu morrer não gostaria que fosse desse jeito, com culpa no coração. Mas se eu for e voltar, mais sangue foi derramado. Mas não há nada o que fazer agora. Não posso recuar, e se pudesse para onde iria? Estou em terreno inimigo no meio do nada. Sinto que não tenho escolha, terei que ir, não irei abandonar meus companheiros agora. Caso volte vivo, amanhã pensarei de novo a respeito disso tudo.

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